quarta-feira, 24 de março de 2010

CODIS de Leiria regressou do Chile



"Temos que ter coragem e não ir para lá com receio"

Diário de Leiria (DL) O que o levou a integrar o grupo que se deslocou ao Chile?


José Manuel Moura (JMM) Uma missão da União Europeia. Quando o Chile faz o pedido de ajuda internacional, manda para Bruxelas e Bruxelas pergunta aos estados-membros quem é que tem para mandar. Bruxelas decide mandar uma equipa de coordenação e avaliação, que foi constituída por cinco peritos e um oficial de ligação ao MIC (Monitoring Information Centre, ou seja, um mecanismo europeu de protecção civil). Neste caso, o Estado português disponibilizou um perito para fazer parte da equipa.

DL Onde foi a sua área de actuação? Que tipo de trabalho realizou?


JMM Se quisermos comparar com a missão ao Haiti, era diferente, porque era uma equipa portuguesa que foi montar um campo. Nós não. Fomos colocados ao nível estratégico. Eu e um austríaco fomos colocados no terreno a fazer a avaliação em zonas atingidas pelo sismo.
A missão que tínhamos também estava muito bem definida. Antes de ir para Santiago, fomos para Bruxelas para um 'briefing'. O nosso objectivo era facilitar a coordenação da assistência dos estados-membros, apoiar as autoridades chilenas na avaliação da situação, prever as recomendações para a Europa, no sentido de dizer quais eram as necessidades que o Chile sentia. Tínhamos também que fazer a ligação e cooperação com outro tipo de autoridades que estivessem no terreno, e preparar a recepção de uma segunda equipa de engenheiros e arquitectos, que entretanto foi abortada, porque o Chile respondeu bem. Depois era reportar diariamente para Bruxelas tudo o que a equipa estava a fazer. Se me perguntar se, passo a passo, cumprimos com estes objectivos, digo que sim, cumprimos rigorosamente.


DL Que cenário encontrou?


JMM Tinha estado no Chile há 15 meses, por outras razões, e portanto, já conhecia Santiago. Quando lá cheguei, não senti nenhuma diferença em relação ao que tinha visto. No aeroporto sim. Sofreu muitos danos e o terminal não estava a funcionar. Quer o 'check out' quer o 'chek in' foram feitos em tendas. Portanto, o aeroporto foi a primeira impressão negativa. Há uma coisa que é evidente: a forma como o edificado resistiu. Foi notável. O Chile está junto a uma placa tectónica, pelo que a construção é altamente preventiva, no sentido de garantir a segurança das pessoas. Há edifícios que vão ter que ser demolidos, mas cumpriram com a sua missão, ou seja, não morreu lá ninguém. Mesmo assim, dois ou três dias depois de lá estar, ainda sentíamos réplicas e sentimos o sismo de 7,8. Estávamos a dormir na localidade de Penco, na zona mais afectada, em que tínhamos o nosso acampamento num campo de futebol. Dormíamos em sacos cama e, portanto, o corpo sentia tudo. Até dia 15, houve mais de 340 réplicas registadas e, como deve calcular, ao princípio foi complicado, mas acabámos por dormir pelo cansaço. Mas, nos primeiros dias, não foi fácil, mas depois lá fomos resistindo. Havia os briefings pelas autoridades locais, como o responsável pela saúde, educação, rede eléctrica, água. Tudo isso eram problemas que tentámos logo identificar.A área era muito dispersa e havia danos em todos os lugares.Mal comparado, o Chile tem cerca de quatro mil quilómetros de costa, e é como ter problemas desde Viana do Castelo até ao Algarve. Depois, todas as baías que estavam de Sul para Norte levaram com o tsunami e tiveram prejuízos brutais.


DL O que mais o surpreendeu?


JMM Pela positiva, surpreendeu-me a capacidade de resistência do edificado. Como desabafo, talvez o facto de ter coincidido com a mudança de governo do Chile. No início, as autoridades regionais e locais estavam no 'nim' nas decisões. Pela negativa, foi a capacidade destruidora do tsunami em dois locais que avaliei: Dichato e Talcahuan.


DL Quer partilhar algum episódio da sua estadia com os leitores do Diário de Leiria?


JMM Uma história talvez gira e feliz para uma chilena, foi ter achado uma carteira na área de serviço da auto-estrada, quando íamos no sentido Santiago/Chile. Uma carteira da cor das nossas fardas que uma senhora tinha perdido. Cheguei cá fora e perguntei aos meus colegas se tinham perdido alguma carteira. Disseram que não. Fomos abri-la e tinha 650 mil pesos (mais de mil euros). Encontrámos um cartão, vimos que era de uma senhora, mas quando ligámos, falámos com um amigo do amigo de um amigo, até que conseguimos falar com ela. Entrou em pânico quando viu que não tinha a carteira, parou na auto-estrada, à espera que chegássemos, porque ia na mesma direcção, e entregámos a carteira. A razão de ser muito dinheiro era que a senhora, emigrante dos Estados Unidos, quando chegou ao Chile, trocou os dólares em pesos para ir ajudar a família que tinha sido vítima do sismo. É uma história com um final feliz.


DL Que balanço faz?


JMM Para o País e com tantos estados-membros, terem escolhido um perito português, acho que é prestigiante. Tendo sido um de Leiria, é motivo de grande satisfação.


DL Com esta experiência, adquiriu conhecimentos que possam vir a ser uma mais-valia para as equipas que coordena? E pessoalmente?


JMM Toda a gestão de emergência que consigamos passar é sempre importante e motivo de aprendizagem. Uma emergência com uma dimensão destas, com tantos países e num país imenso, desenvolvimento, aprendemos sempre, até nos contactos com outros colegas. Não ficamos melhores nem piores, mas ficamos diferentes. Na vida, temos de estar sempre dispostos a aprender. Temos de ter essa humildade, e nesta área, temos de ter essa humildade permanentemente. Ter uma disponibilidade muito grande para aprender, encarar situações como populações que ficaram sem nada. Isto é um percurso de vida, com formação contínua. Pessoalmente, temos que ter coragem e não ir para lá com receio.


DL Considera preparadas as equipas portuguesas de protecção civil ou outras para enfrentar uma situação como a que o Chile viveu, ou mesmo o Haiti?


JMM Estamos mais bem preparados do que ontem, e amanhã vamos estar mais bem preparados do que hoje.Nos últimos anos, demos saltos qualitativos muito bons na resposta à emergência, quer pela criação de diferentes grupos profissionais que não havia, quer pela forma como os corpos de bombeiros estão preparados, quer pela forma como estamos organizados na estrutura de comando e pelo plano de risco sísmico. Temos outros agentes que também estão bem equipados. Portanto, todas estas actividades têm concorrido nos últimos quatro, cinco anos, para que hoje tenhamos uma resposta cada vez melhor. Agora, é evidente que tudo depende da dimensão do evento. Acho que cada vez estamos mais preparados, e digo isto com sentido de responsabilidade, porque é o que sinto.
(In Diário de Leiria)

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